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O velho, a velha, o jovem balconista e eu

(Imagem: Internet) 


Quero escrever sobre a vida. Há mais mistério do que respostas. Mistério não no sentido de algo obscuro e irrevelável, mas que muita coisa nós não damos conta de explicar ainda.

Na mesma fila daquele lugar que tem o nome curioso de drogaria, estava uma velinha e um velhinho. Pareciam ter a mesma idade. Pelo menos o rosto enrugado e cabelos brancos de ambos estavam em conforme sintonia. Entretanto, eram diferentes.

Ela, uma doce senhora, pedia licença para passar e com voz de vovó pedia ajuda para comprar seu medicamento com os escassos recursos que tinha. Mal sabíamos que era viúva há pouco menos de três meses. Teve dois filhos. A filha mais velha, a mais comportada, estudiosa e que lhe ajudava tanto, morrera há 15 anos de câncer. Seu filho mais novo desde os 13 anos só lhe dava trabalho. Entrara para o maldito mundo das drogas e causava-lhe constante desgosto pela desobediência e rebeldia. Ficava o dia inteiro no quarto e à noite saia para usar “aquelas porcarias” – dizia ela. Mas ali ela estava, doce como se não tivesse passado por nenhum sofrimento, como se a vida não lhe tivesse sido tão amarga. Mal sabíamos que aquela mulher era uma guerreira e estar ali de pé, com tamanha bondade e educação, era um grito de vitória lapidado dolorosamente como um diamante. A vida não foi fácil para aquela senhora, mas ela resistiu com bondade. Coisa rara hoje em dia! A moça do caixa falou o preço. Ela olhou na carteira e disse:

- Obrigado, mas não vou levar.

            Ali naquela pobre bolsinha costurada com seu retrós e mãos trêmulas não havia dinheiro suficiente para remédios e um pacote de arroz que hoje custa muito.

            No outro balcão era atendido o velho senhor. Sua boina e óculos dourados modelo aviador ilustravam sua posição social elevada.

- Quanto é o remédio?

            Indagou com seu tom de arrogância adquirido durante anos de advogado. Talvez a gravata que todos os dias usou tenha feito sua voz se tornar mais áspera com aqueles que ele mesmo considerava subalternos. Ele, de uma família que o sobrenome dizia mais do que o palacete que morava. Estudara em uma renomada faculdade particular de sua grande cidade. Jogou no time principal da escola, viajou para Europa com 12 anos, casou e teve três filhos que o seguiram na profissão. Estava aposentado e recebia aluguel de um prédio que construiu na avenida de leito branco. Como aquela senhora, ele procurava o seu remédio.

- Quanto é o remédio?

            O moço do caixa, um jovem franzino, disse o valor.

- Isso tudo! É um absurdo! Estão roubando!

            Esbravejou com aquele jovem que com muitas dificuldades tinha conseguido seu primeiro emprego. Ele, filho de pais analfabetos, ali buscava sustentar seu lar e pagar o remédio para a mãe que tinha constantes crises epiléticas. O pai, alcoólatra, além de não sustentar a casa batia na mãe e nos filhos há muito tempo.

- Por que ela não largava ele?

            Vocês podem me perguntar. Infelizmente, pois não tinha conseguido outra forma de se sustentar. Assim me disse o garoto.

            O velho saiu bravo daquela drogaria e entrou no seu grande carro de vidros pretos e marca importada. A velinha dirigiu-se a um mercadinho com sua sacola ecológica. O jovem continuou seu trabalho. E eu refleti, peguei o notebook que ganhei do meu avô e escrevi esta crônica que acabam de ler. Não é sobre o que se vê, mas muito mais sobre como se vive e como tocamos e somos tangidos pelas pessoas. Eis a vida! Estou tentando entendê-la, ou melhor, vivê-la.


Emanuel Tadeu


Com olhar de Fora, 14 de julho de 2023


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